Textos
baseados nos eixos temáticos do Referencial curricular para o ER-RR
EIXO
1
Cultura e tradições religiosas
A cultura significa o conjunto de coisas que são produzidas pelo ser
humano. A religião só acontece dentro das culturas dos povos. A
forma de organizar os cultos e de dirigir-se à divindade depende em
certos aspectos do que existe na cultura daquele povo (acrescentar
materiais e imateriais). Toda religião possui sua tradição, seja
ela escrita ou oral, para atender a realização dos comportamentos e
dos seus cultos. A tradição religiosa está dentro do conjunto
cultural ao qual o povo pertence.
Observemos alguns exemplos do uso das cores nas diferentes tradições
religiosas: as religiões Afro-brasileiras identificam as cores com
cada Orixá a ser homenageado em seu culto, e as vestes são bastante
coloridas. Os católicos identificam cada cor ao tempo litúrgico. Os
evangélicos em seus cultos vestem-se com roupas que não chamam
atenção, em geral com cores claras ou escuras mas nunca coloridas.
Os budistas usam vestes coloridas com exceção do preto em algumas
tradições. Os espíritas preferem vestes brancas. Os indígenas
pintam-se de vermelho para ocasiões de festas.
Cada tradição religiosa entende as cores, os cultos, o sagrado e a
divindade à sua maneira. Essas diferenças são apenas de forma, ou
seja, na tradição é o que está aparente na maneira de se
manifestarem. As tradições religiosas pretendem comunicar aos seus
participantes um caminho do encontro com o sagrado, isto é, aquilo
do que respeitam com profundo sentimento.
Filosofia e tradição religiosa
A filosofia da Grécia Antiga entendida como amor a sabedoria
procurou desvendar o significado da verdade. O saber, neste sentido,
era a chave do encontro com a verdade. O sábio era o idoso, o mais
velho, aquele que guardava a tradição. Isto significou que o sábio
não precisava saber de tudo, mas saber o caminho que a verdade se
manifestava. A filosofia começa na Grécia com uma indagação
fundamental: “quem somos?” As tradições religiosas já haviam
dado uma resposta para isso. Dentre as respostas estão: “Somos
filhos de Deus”; “Somos seres espirituais”; “Somos almas em
constante aperfeiçoamento”.
Para a filosofia este caminho não foi suficiente para as perguntas
dos filósofos. Foi exigida outra resposta mais profunda. Ela teria
que sair da razão humana e não de respostas com base no que dizia a
tradição religiosa. Este impasse é respondido por vários
filósofos antigos. O mais
famoso deles, Sócrates, propôs encontrar a verdade com base nos
dois caminhos: a razão e a tradição. A tradição
religiosa, respeitada por Sócrates, podia ser retomada e a vivência
religiosa não era abandonada.
Apesar deste confronto entre a visão da filosofia e a da tradição
religiosa, há aspectos bastante próximos a serem considerados. As
tradições religiosas são produto de uma reflexão, assim como a
filosofia. Nelas há uma reflexão e suas respostas para as coisas da
vida são aproveitadas por quem tem nelas a fé. As regras de
comportamento de uma tradição religiosa é fruto do que a cultura
daquele povo produziu. As normas dos cultos são passados pela
tradição religiosa e realizadas pelos seus descendentes. Existem
discussões feitas pela filosofia sobre a tradição religiosa dentro
do cristianismo que ainda perduram hoje dentro do catolicismo. Várias
tradições religiosas da China e da Índia estão muito associadas
às filosofias.
Filosofia Tradicional
O objetivo da filosofia é discutir refletidamente sobre as coisas da
vida. O que são então essas coisas? O filósofo pode realizar
reflexões sobre a origem da vida, assim como a religião também o
faz. A diferença entre o que reflete o filósofo e o religioso é
que o primeiro procura ficar só com os instrumentos que a razão
humana lhe dá. Já o religioso pode incrementar este pensar com o
que o ser humano sente para além de seu existir.
Na Antiguidade grega (Séc. IV a.C. à IV d.C.) a filosofia se
aproximava do discurso religioso, mas com características próprias.
A racionalidade foi para o pensamento grego o principal achado. Todas
as reflexões filosóficas desta época procuravam o máximo a
aproximação racional com a verdade. Aristóteles chega a indicar a
maneira lógica de se aproximar da verdade. Ele inventou, com isto, a
lógica formal. Demócrito chegou à ideia sobre o átomo, quando
afirmava ser ele a menor partícula a existir. Platão pensou,
através do que chamava de ideias, num mundo separado do nosso. Dois
mundos, um verdadeiro e mais forte, que estaria além do que nós
vemos, e um mais fraco, mais tenebroso, que seria o nosso mundo e
tudo o que nós vemos.
Na Idade Média (Séc. IV ao XIV d.C.) a filosofia esteve muito
próxima dos conceitos da tradição religiosa. Neste período os
filósofos eram cristãos e procuraram refletir sobre a questão
religiosa. A filosofia passa a ser considerada ajuda para explicações
da teologia. Alguns filósofos diziam que a filosofia era a serva da
teologia. Servia apenas como meio de explicar os desígnios de Deus
na visão cristã ocidental.
A filosofia moderna (Séc. XV ao XVIII) pretendeu superar uma
filosofia voltada para a religião. Os filósofos procuraram afastar
a filosofia da teologia, tornando-a independente. Fundam assim a
ciência moderna, criando uma forma de conhecimento que interpreta o
mundo diferente da filosofia e da teologia. As tradições religiosas
passam a ser consideradas como algo atrasado ou algo do passado que
precisava ser superado. Muitos filósofos passam a entender a
religião como um atraso ou algo que no passado foi necessário e que
agora somente a ciência detinha todo o conhecimento da verdade.
Filosofia contemporânea
O advento da filosofia contemporânea, chamada de filosofia
pós-moderna, descobre uma série de problemas em relação à
filosofia moderna. A primeira é o fato de se reconhecer que nem tudo
poderia ser explicado pelas ciências. Existem sérias críticas ao
tipo de conhecimento estático, baseado em estruturas matemáticas
fundadas pela modernidade.
Na modernidade o conhecimento era voltado para o objeto. Em tudo se
buscava o objeto para esclarecê-lo. A filosofia contemporânea passa
a considerar também o sujeito, ou seja, o ser humano, como o
elemento chave para explicar as coisas do mundo.
Esta relação sujeito e objeto é destacada por escolas como a
fenomenologia. Seu objetivo é compreender as coisas do mundo dos
objetos e do mundo humano através do fenômeno, ou seja, da
manifestação do objeto ao sujeito.
O existencialismo passa a explorar ainda mais a questão do ser
humano e sua relação com o mundo. Apresentam outra face, diferente
das realidades físicas, a realidade espiritual. Este assunto é
aprofundado pela psicologia como ciência, mas que possui grande
influência da filosofia.
A hermenêutica, outra explicação filosófica contemporânea, passa
a criticar a maneira com são interpretados os textos filosóficos e
literários. Considera que o contexto de um texto é o que o explica.
Existe então a necessidade de estudar a história com maior clareza
possível para se interpretar os fatos e as realidades.
A diversidade religiosa na visão tradicional e contemporânea
A diversidade religiosa era considerada um perigo para o
desenvolvimento da civilização. Esta afirmação foi feita por
diversos estudiosos no século XIX. Aquele que se apresentasse com
uma cultura ou religião diferentes não eram considerados normais. O
correto seria seguir uma única religião, a cristã. Os outros eram
considerados pagãos, e neste sentido, desconsiderados na sociedade.
No Brasil o catolicismo era a religião oficial até o final do
império. No início da república, com o ideal de liberdades, a
noção de liberdade religiosa passa a ser difundida.
Atualmente essa visão é
considerada reducionista. A própria constituição federal de 1998
prevê a liberdade religiosa no seu inciso VI do artigo 5º, quando
afirma ser inviolável a liberdade de consciência e de
crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias. E o inciso VIII
afirma que ninguém será privado de direitos por motivo de
crença religiosa ou de convicção filosófica ou política.
A diversidade religiosa existente no Brasil é constituída das
tradições afro-brasileiras, católicas, espíritas, evangélicas,
judaicas, muçulmanos, indígenas, protestantes, as religiões
orientais, etc.
O respeito a esta diversidade é importante porque, como todos têm
sua religião, todos têm o direito de se manifestar da forma que lhe
parecer melhor. Desde que não haja ultraje, desrespeito, negação e
discriminação do outro. A negação do outro representa uma
contrariedade à legislação federal que representou o auge da
maturidade da democracia construída pelos brasileiros.
História e tradição religiosa
Seria praticamente impossível conhecer as tradições religiosas sem
a história. Desde os tempos de que se tem lembrança, as tradições
religiosas estiveram presentes em todas as sociedades. É importante
observar alguns momentos históricos fundamentais para o conhecimento
das tradições religiosas. Na pré-história existem resquícios de
diversos rituais. O principal deles é a reverência ou respeito
identificados nos ritos aos mortos.
Essas tradições religiosas da antiguidade possuíam uma
complexidade muito grande. O envolvimento dos mitos com os
sentimentos e os desejos humanos faziam com que diversas histórias
elaboradas e contadas se sustentassem.
A evolução da estrutura religiosa nas organizações humanas
no decorrer dos tempos
As primeiras manifestações religiosas aparecem unidas ao surgimento
do ser humano. Essas manifestações surgem de forma isoladas e que
eram sem uma organização específica, mas que eram realizadas com
as intenções de prolongar a vida, de oferecer presentes a
divindades ou homenagear os mortos. Após este momento histórico
houve maior organização daquilo que se chama religião tribal. As
culturas e religiosidades tiveram como base os mitos e as histórias
que se tornaram símbolos desses povos. O mundo espiritual é
organizado por rituais que rendem homenagens aos antepassados e a
natureza. No entender desses povos os deuses e espíritos podem mudar
a vida cotidiana.
Tradições Religiosas da antiguidade
Havia aqueles relacionados às diversas interpretações míticas
feitas pelos povos da antiguidade entre 4.000 anos Antes de Cristo
(a.C.) ao século V depois de Cristo (d.C.).
Os antigos mesopotâmios associavam os deuses à natureza, aos astros
e praticavam a astrologia e a adivinhação. Eles possuíam uma
doutrina religiosa em que admitiam a luta do bem contra o mal.
Os egípcios, também politeístas, representavam seus deuses com
formas humanas ou com corpo humano e cabeça de animais. Tinham um
deus supremo chamado Rá (sol), os deuses do bem e do mal e o
protetor dos mortos, da sabedoria e da escrita. O deus egípcio da
criação era Ptah e o protetor do Faraó era Horus.
Os hebreus praticavam a crença monoteísta e são conhecidos por
terem deixado o Antigo Testamento (Bíblia), monumental obra
religiosa escrita. Vários líderes, chamados patriarcas, conduziram
e orientaram o povo. Moisés, considerado o maior entre os hebreus,
conduziu o povo na saída do Egito para viveram nas terras da
Palestina.
Os fenícios possuíam um deus protetor para cada cidade-estado,
Baal, e era associada a uma deusa protetora, Baalit. A Astarte era a
deusa da fecundidade. Seu politeísmo admitia sacrifícios humanos em
seus ritos.
Os cretenses adoravam uma deusa-mãe, representada por uma mulher com
duas cobras nas mãos e um leopardo na cabeça. Nessa sociedade a
mulher desfrutava de grande liberdade.
Os gregos eram politeístas e seus deuses possuíam formas humanas
(antropomorfismo). Tinham a crença de que os deuses moravam no Monte
Olimpo. Havia os deuses maiores, em número de doze, em que Zeus era
o mais poderoso e os deuses menores como Dinísio. Acreditavam também
em semideuses, filhos de deuses com humanos como Aquiles e Hércules.
Os romanos assimilaram vários deuses de outros povos. Passaram
depois a divinizar seus imperadores. Para cada deus grego havia um
nome romano. O soberano dos deuses para eles rea Júpiter.
A origem e a evolução das tradições religiosas
As tradições religiosas da antiguidade possuem diversidade. Suas
interpretações sobre a existência do mundo e do ser humano
dependem da cultura de cada povo. Um dos exemplos atuais da
existência dessas formas de culto é a Wicca. Ela representa uma
religião neopagã com influências das crenças pré-cristãs.
Acreditam no poder sobrenatural e na relação do feminino e do
masculino integrados à natureza. O crescimento desta religiosidade
deu-se nas décadas de 50 do século XX.
Com a organização das manifestações religiosas em instituições,
como ocorreu com as grandes tradições religiosas, surgem as
doutrinas que passam a organizar os cultos. O judaísmo se instituiu
a partir da intensa vivência religiosa dos hebreus que descreviam
acontecimentos, mitos e as alianças com Deus. Este livro chama-se
Torá. O Cristianismo, que surge como movimento religioso dentro do
Judaísmo e se fortalece a partir do séc. VI d.C. Os ensinamentos de
Jesus Cristo estão nos evangelhos ou Novo Testamento. O Islamismo se
desenvolve a partir das profecias de Maomé. Essas profecias estão
escritas no Alcorão ou Corão.
O Protestantismo surge como dissidência do Catolicismo na Europa.
Martinho Lutero, em 1517, criou um manifesto de 95 teses para
combater a venda de indulgências que perdoava os pecados concedida
pela igreja. Lutero, então, rompe com a igreja através do movimento
chamado Reforma Protestante. Os que eram contra a reforma passaram a
chamar os seguidores de Lutero de luteranos, mas preferiam ser
chamados de evangélicos. Daí surgem diversas denominações
religiosas cristãs que davam maior autonomia aos fiéis. A salvação
passa a ser dada diretamente por Deus, não tendo mediadores como
acontece na Igreja Católica.
As religiões orientais possuem características semelhantes. Nelas
há uma mistura de religião e filosofia. Assim acontece no Taoísmo
quando acredita no Tao como harmonia perfeita. O Budismo se
considera uma filosofia de vida que procura evitar o sofrimento. No
Hinduísmo há diversas tendências filosóficas que cultivam a Yoga,
a sabedoria e os rituais. O confucionismo era a filosofia e a
doutrina oficial do estado na época de Confucio.
Pode-se considerar como origem das religiões um acontecimento
primeiro, uma coisa espetacular, algo extraordinário nunca antes
ocorrido que dá aos fiéis caminhos para a realização humana. A
busca da felicidade e do sentido da vida são pontos chaves para a
vida espiritual. O comportamento moral ou a forma de se vestir podem
ser definidos pelas religiões. Essa exigência pode ser orientada
pela cultura ou pelas instituições, mas que possuem algo em comum:
as regras. Sejam elas imperativas ou não, mas sempre existe alguma
norma de realização ou não de coisas para que a religiosidade se
complete.
A realização do rito é o que identifica o fiel na sua denominação
religiosa. Podem ser um rito de iniciação, como acontece entre os
povos indígenas, ou um rito de festa nas homenagens aos Orixás nas
religiões afro-brasileiras. Os ritos do batismo para os cristãos, a
viagem a Meca para os muçulmanos ou ainda a Páscoa celebrada pelo
Judaísmo representam ritos essenciais para essas denominações.
A evolução da estrutura religiosa no Brasil
As tradições religiosas do Brasil possuem dependência da
diversidade cultural. As diferenças culturais, sociais e econômicas
tem sua origem na grande extensão territorial do país. A cultura
dos colonizadores europeus, a população indígena e os escravos
africanos constituem os primeiros povos influentes na cultura e
religiosidade do país. Somente entre os séculos XIX e XX é que os
imigrantes italianos, japoneses, alemães, poloneses, árabes, entre
outros, contribuíram para a pluralidade cultural do Brasil.
Destas influências culturais, a religiosidade representada por
diversas manifestações como a festa de Iemanjá, a lavagem das
escadarias do Bonfim e o Maracatu no Nordeste. Os inúmeros rituais
das tribos indígenas brasileiras onde pinturas e uma diversidade de
acessórios são utilizados. No Norte o círio de Nazaré de Belém
(PA) é a maior manifestação religiosa dos católicos. A festa do
Divino, originada dos portugueses, em Rondônia. A folia dos reis,
uma manifestação religiosa e cultural que celebra o nascimento de
Jesus. Em Taguatinga, no Sul de Tocantins, acontecem as cavalhadas na
festa de Nossa senhora da Abadia. As diversas manifestações
populares através de procissões católicas e das caminhadas
evangélicas denominadas de “Marcha para Jesus”.
É importante reconhecer que em grande parte das manifestações
religiosas do país apresentam elementos misturados. Isto é chamado
de sincretismo religioso, onde algumas características de uma
denominação religiosa se apresentam em outra. Exemplo disto é a
lavagem das escadarias do Bonfim, realizadas por religiões
afro-brasileiras em uma igreja católica. Esta mistura representa uma
conversação entre manifestações religiosas diferentes e que
constitui importante interação no reconhecimento da diversidade
religiosa do Brasil.
Sociologia e tradição religiosa
A sociologia como estudo das sociedades vê as tradições religiosas
como o conjunto de fatos sociais representados pelo ser humano. Numa
comunidade humana há um conjunto de manifestações culturais,
dentre as quais a religião, desenvolvidas a partir de representações
e conhecimentos elaborados.
Uma tradição religiosa é, na verdade, produto do desenvolvimento
cultural de um povo. Ela representa uma formulação a partir de
conhecimentos adquiridos através dos mitos, das filosofias e das
ciências e que não se reduzem a elas. Sendo assim, a religião não
é nem filosofia e nem ciência. Seu objetivo não é o mesmo como os
das outras formas de conhecimento, ainda que haja diálogo entre
elas. Sua representação na sociedade parte de ideias relacionadas à
realização humana, ao complemento dos sentimentos humanos e ao
êxtase, ou seja, uma euforia que completa os desejos humanos.
A religião como instituição social influencia e é influenciada
por seus fiéis. Ela ainda influencia e é influenciada pela
sociedade. O que representam essas influências? Na instituição a
religião passa a tomar grandes proporções. Ela se manifesta
através de outras instituições como a família, o trabalho e até
mesmo o estado.
A ética das religiões podem determinar algo dentro da sociedade. O
sociólogo alemão Max Weber estudou sobre como a ética das
religiões protestantes influenciava na formação dos países
capitalistas mais desenvolvidos. Emile Durkheim tratou sobre o
fenômeno religioso a partir da vida dos aborígenes australianos. É
importante observar esses estudos porque a partir deles pode-se
observar as influências mútuas entre religião e sociedade.
Outra influência bastante forte é a da Igreja Católica na Idade
Média. Para a sociedade medieval tudo girava em torno de Deus. Tudo
estava dirigido a ela e a igreja era que respondia a todos os dilemas
sociais e religiosos. As respostas de todas os enigmas estavam na
religião ou tinham a sua ingerência. Não havia nenhuma dúvida
sobre Deus ou sobre o poder da igreja sobre a sociedade. Os que
ousavam se opor eram considerados hereges e poderiam ser mortos pela
instituição estado-igreja. A instituição era considerada dona da
verdade, não havia como criticar.
O sincretismo como temática referente as tradições religiosas
representa uma acomodação de diversas manifestações religiosas
que passam a ter um novo jeito. O exemplo disto são as religiões
que tiram ideias de outras reelaborando o conceito inicial. No
Brasil, as religiões afro-brasileiras deram novo significado aos
santos católicos, considerando-os energia semelhante aos Orixás. A
Igreja Universal do Reino de Deus reelaborou o conceito de cura
através da imposição das mãos já existentes nas religiões
afro-brasileiras.
3.1.1 A função
política das ideologias religiosas
A religiosidade
representa para a sociedade uma parcela significativa de suas
atividades. Ao se estudar a sociedade a política e as instituições,
a sociologia pretende desvendá-lo como fato social. Em relação à
religiosidade, alguns estudos querem desvendar o que representam as
ideologias religiosas.
Nas sociedades
antigas a função da política das ideologias religiosas era
integrada na sociedade. Isto significa que não se via muita
distâncias entre as manifestações religiosas e as outras
organizações sociais existentes. Nas tradições religiosas dos
indígenas e de aborígenes australianos há esta integração. O que
há de elemento cultural está intimamente associada às
manifestações religiosas e vice-versa. As implicações que a
política e a organização social têm sobre esse tipo de sociedade
influenciam diretamente nas ideologias religiosas.
Na Idade Média as
implicações da ideologia religiosa sobre as questões políticas
são marcantes. Para os medievais Deus era o centro e a base para
explicar tudo. Não havia ideias diferentes sobre crença religiosa e
o pensamento girava em torno do que justificasse a única ideologia
religiosa da época, pensar nas coisas do mundo identificadas com a
existência de um Deus. Na Idade Moderna esse pensamento se modificou
e até se contrapôs ao pensamento medieval. O centro e a base já
não é mais Deus, mas o próprio homem. Os modernos pretendem
separar a religião da política. As ideologias religiosas passam a
ser vistas separadas do mundo das ciências e sua função política
já não representam muita coisa no mundo Ocidental.
No mundo atual,
verifica-se uma grande separação das coisas que são do mundo
religioso do mundo político, mas existe uma função política das
ideologias religiosas. E qual será esta função? As ideologias
religiosas estão presentes nos campos da moral, dos comportamentos,
das artes e das decisões sobre com quem dialogar.
Buda (Sidharta)
tomou uma decisão política importante que marcou o Budismo. Ele
decidiu sair dos palácios para se aproximar do outro, e mais
especialmente do sofrimento do outro. Jesus não queria o comércio
no Templo e não aceitou como os judeus queriam julgar os que estavam
com fome e colhiam o trigo no dia de Sábado para o seu próprio
alimento. Deus queria que Moisés fosse libertar o povo da
escravidão. A sua aparição na Sarça ardente revela que Deus tinha
um plano para Moisés. No Candomblé, os Orixás encaminham respostas
aos crentes para a prática do bem e defesa da natureza. Os Pajés
procuram orientações dos espíritos para que tragam o bem para a
aldeia e vivam em harmonia com a natureza.
O posicionamento
político desses líderes religiosos revelam que as ideologias
religiosas dirigidas para a prática do bem podem exercer uma função
política com significado expressivo. Nesses casos as religiosidades
estão sempre ao lado do “outro”, num diálogo com os menos
favorecidos – os pobres, os que tem fome, os encarcerados, a
natureza – e com a intenção de promover mudança social.
3.1.2 A função
social das diversas religiões
Nas sociedades as
religiões exercem a função de desenvolver um sistema de proteção
da vida, de extensão do significado da existência humana e de
interação e identificação do grupo social consigo mesmo e com o
Transcendente. Quanto à sua função social a religião pode ser
colaborativa no discurso público sobre a saúde, a educação, a
segurança pública e o desenvolvimento nacional. Ela também pode
ser executora e disseminadora desse discurso, visto que se apresenta
numa posição privilegiada para esse feito.
Numa expressão,
resumindo essa função, seria como “a busca da felicidade” em
todas as suas dimensões, não somente a espiritual. A sociedade pode
buscar na religião a identidade dos elementos de convivência
social. A ideia de comunidade, por exemplo, estabelecida a partir de
relações próximas e da realização de ritos comuns, pode dar
sentido de pertença à vida de um grupo social.
A religião dá um
sentido universal aos sentimentos humanos mais profundos. Ela pode
incluir um corpo de doutrina formal, chamado de teologia, um ritual,
uma experiência pessoal, os valores morais e uma organização de
fiéis e sacerdotes. Quanto à sua definição a religião pode ser
apresentada como o sentimento de solidão experimentada por
indivíduos que se relacionam com o divino ou ainda consideram buscar
um “Caminho” como no Budismo, no Xintoísmo e o confusionismo.
Mas o que permanece é a ideia de um poder sobre-humano, como força
abstrata e impessoal chamada Deus, fantasma ou espírito.
Para ilustrar vejam
os exemplos: os Melanésios do Pacífico Sul consideram religião à
crença num poder sobrenatural que pertence à religião dos
invisíveis. Suas práticas representam o uso de meios para adquirir
esse poder em benefício deles. Não é comum para este povo a noção
de Ser supremo. Nas religiões afro-brasileiras o Olorum (o ser
supremo) ocupa um lugar tão elevado que não existem rituais para
ele, rituais são apenas para os Orixás. O indígenas brasileiros em
algumas tradições precisam da ajuda do Pajé para negociar com os
espíritos, que podem causar doenças. A cura da doença depende de
como o Pajé acalma esses espíritos.
A função social da
religião neste sentido é o pedido de ajuda que os humanos fazem ao
divino. Isto faz viver melhor neste mundo e a ter boas relações com
os outros, com a natureza de forma solidária e colaborativa. Não
importa se a religião privilegia mais o ritual, ou a doutrina, a
crença, ou o ser supremo.
1.4 Psicologia e tradições religiosas: Em todas as religiões
a questão da psicologia é latente pois a influência dos líderes é
notada nos formatos das religiões (sermões, castigos,
direcionamentos):
As tradições religiosas possuem aspectos que podem ser definidos
como gerais, ou seja, possui em todas as culturas humanas. Um desses
aspectos é a espiritualidade. As visões que se tem da
espiritualidade mudam, mas seu entendimento, sua existência e seu
cultivo permanecem. A psicologia da religião pretende esclarecer a
dimensão espiritual humana a partir das tradições religiosas.
A psicologia estuda a psique humana, com o objetivo de entender as
dimensões existenciais. Estudos sobre a mente e o conhecimento
pretendem indicar formas de tratamento de possíveis doenças, bem
como a tentativa de soluções de problemas. Para a religião o
estudo da espiritualidade auxilia no bem-estar psicológico,
satisfação com a vida, felicidade, melhor saúde física de mental.
A espiritualidade pode dar sentido à vida das pessoas auxiliando-o
na morte e no sofrimento.
Aurora Camboim e Julio Rique afirmam que “a espiritualidade é a
busca pessoal por respostas compreensíveis para questões
existenciais sobre a vida, seu significado e a relação com o
sagrado ou transcendente que podem (ou não) levar ou resultar do
desenvolvimento de rituais religiosos e formação de uma
comunidade.” Existem preocupações com o sentido da vida, com o
que vem além dela, com o existir além da matéria, com a vida após
a morte. Essas e outras preocupações são pensadas pelos que
cultivam a espiritualidade.
A espiritualidade pode ser considerada como um fator positivo na
saúde das pessoas e beneficiam na ajuda contra o stresse. A
espiritualidade e a religiosidade ocorrem na adolescência de uma
forma intensa. Sejam em posicionamentos radicais de ateísmo ou
misticismo fervorosos. Na fase adulta há uma estabilidade das
inquietações religiosas, na fase de envelhecimento
1.4.1 A tradição religiosa na construção do inconsciente
pessoal e coletivo
Na visão de Carl
Jung o inconsciente pessoal é composto por material reprimido e de
complexos. Diferente disto, o inconsciente coletivo possui tendência
de sensibilidade a certos símbolos e apresentam sentimentos
profundos. Os símbolos religiosos e os conteúdos espirituais são
importantes para a organização da personalidade. O estudo dos
sonhos e dos desenhos feitos por Jung podem mostrar o inconsciente.
Essas ideias sobre o
inconsciente cultivam a espiritualidade. Uma das tarefas da
espiritualidade é dialogar com o mais profundo do nosso ser. Esse
contato faz com as pessoas identifiquem algo diferente no seu
interior. É isso o que algumas tradições religiosas chamam Deus. A
sociedade moderna precisa buscar a dimensão espiritual como algo que
dá ao homem o complemento para o seu ser.
Os seres humanos
possuem a dimensão da corporalidade e uma mente que é carregada de
desejos e sonhos. Mas existe uma dimensão que faz perguntas sobre a
existência humana: de onde venho? para onde vou? o que estou fazendo
aqui? Que energias que estão em nós e não somos dono, mas que
temos uma missão de domesticar e fazer um projeto de vida de união
com todas as pessoas? O nosso interior possui um mistério do qual
muitas vezes se é incapaz de reconhecer, mas que nos torna estranhos
de nós mesmos.
A dimensão
espiritual é o que eleva o ser humano. Ela está centralizada no
interior e eleva o ser humano para além deste universo. O seu
resgate para o mundo atual é urgente, pois essa dimensão está no
mais profundo de nós. É importante dialogar com ela, escutar a sua
voz, na perspectiva de compreender o mundo e se aproximar de valores
não materiais. O nosso inconsciente pessoal e coletivo nos dá a
possibilidade de viver essa dimensão que une o homem ao cosmos,
fortalece a sua capacidade de pensar nas coisas, no mundo e nos
outros. Essa é a tarefa da espiritualidade e independe da tradição
religiosa. Qualquer tradição religiosa aponta caminhos, dentro de
suas limitações e condições, para olhar essa dimensão.
1.4.2 A inter-relação religiosa.
A fé apresenta ao ser humano uma ponte entre o que ele é o que a
dimensão transcendente lhe apresenta. Não existe a fé sem sentir o
transcendente. Esse sentimento revela e dá possibilidade de se criar
e fazer crescer a interação do ser humano. A visão do homem
integral na perspectiva de se entender e de ser relacional. Sem
entender o foco principal do princípio e da origem da religião, que
é a dimensão espiritual, não existe a possibilidade de
inter-relação religiosa.
Não dá para entender a religião como uma “neurose coletiva” de
dependência em relação ao pai e a mãe e que isso é projetado
para um grande pai e mãe numa figura divina, como entendia Freud.
Ele ainda afirma que a religião serviria como uma terapia para as
pessoas não se tornassem neuróticas.
Diferente disto Leonardo Boff entende que a “neurose coletiva” é
uma coisa constante que não dá sossego ao ser humano. Não há algo
escrito em nós, no nosso código genético, para se chegar à
felicidade. Isso para Boff é um propósito do criador, pois o ser
humano precisa criar a sua felicidade. Ela não é dada nem no código
genético nem na sociedade. O que há é um conjunto de respostas em
que ele se dá e vai construindo a sua felicidade. A felicidade é um
processo de auto-realização e um processo de individuação humana.
Ele pode enfrentar tudo na vida, é um ser humano liberado. Essa é
uma construção humana, pessoal e coletiva.
O crescimento da dimensão coletiva para possibilitar uma
inter-relação religiosa entre os indivíduos de uma comunidade faz
buscar respostas não somente na individualidade. Embora que a sua
concretitude individual seja importante para a solução de problemas
comunitários, é importante também o estabelecimento de uma
convivência profundamente solidária. Ligar a busca do transcendente
à busca pela relação com o outro facilita o conhecimento de si e
do outro. Isso dá abertura maior ao ser humano liberado e o eleva
para além da materialidade.
Referências
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Jostein. HELLERN, Victor. NOTAKER, Henry. O livro das religiões.
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