Me.
Manoel Gomes Rabelo Filho
A violência no
Brasil
A violência no Brasil tem demandado ações repressivas e
preventivas do poder público, ao qual se dá ênfase nas ações
repressivas, fato que muitas vezes fortalece o comportamento
desviante. A maior parte da violência ocorrida vitimam jovens entre
18 e 29 anos e nesta mesma faixa etária é também de onde parte a
maioria das agressões.
Os motivos que envolvem os jovens em ações violentas estão
relacionados a fatores como a baixa autoestima; inadequações em
espaços de convivência; abusos físicos, sexual e psicológico;
constrangimentos pela condição socioeconômica, de gênero ou raça.
Além disso, existem as dificuldades normais da idade do jovem com
relação ao seu meio; problemas na vinculação familiar,
comunitária ou escolar; a construção da autoimagem; influências
de amigos e as inter-relações do seu grupo com a sociedade.
Somando-se a isso a fragilização das instituições tradicionais,
as manifestações da personalidade antissocial e a experimentação
exploratória do mundo focando uma afirmação da liberdade.1
É claro que existem alguns exageros relacionados às interpretações
acerca da associação entre o jovem e a violência. No caso dos
adolescente, há valorização, focadas pela mídia, de sua presença
como autores de crimes violentos. Esta exposição cria na sociedade
repulsa e repreensão. Além disso há alguns mitos na América
Latina que afirmam ser os jovens e adolescentes pobres, desordeiros,
considerados suspeitos em potencial tanto na política quanto no
contexto escolar. Somados a isso existem as complicações referentes
à idade da adolescência como rejeições de casa, fora e na escola,
o desemprego, o alcoolismo e a violência doméstica. Esses fatos
fazem com que os adolescentes sejam estigmatizados, criminalizados
gerando efeitos perversos, como a exclusão severa que os tornam
vulneráveis ao delito e presas fáceis de bandos, com o consequente
fortalecimento de políticas severas de repressão, neste sentido.2
Em relação à mortalidade, no Brasil são vitimados jovens do sexo
masculino entre 15 e 29 anos, pobres, não brancos, com pouca
escolaridade e que vivem em áreas carentes. Já as vítimas de
violência não letais estão os jovens de 19 a 29 anos que sofrem
lesões corporais dolosas e tentativas de homicídios na maioria. Os
jovens de 25 a 29 anos são vítimas de furtos a transeuntes e roubo
de veículos. Já os adolescentes de 12 a 17 anos são maioria
vítimas de estupro e de atentado violento ao pudor.
Em relação aos responsáveis pela violência estão os jovens de 18
a 29 anos que estão em grandes cidades e que usam de uma
sofisticação da violência pela disseminação do porte de arma de
fogo e pela generalização de uma cultura da violência. Os fatores
disso são as contradições sociais que supervalorizam o consumismo
exacerbado, as desigualdades sociais e o mercado de trabalho. Com o
aumento da violência delitual, diminui a idade dos seus autores.
Para entender porque isto ocorre não se pode analisar somente o
recrutamento para atividades criminosas, as facilidades para obter
arma de fogo no país, o processo de educação e formação, a
banalização da violência e a dinâmica das desigualdades e
exclusão social. É necessário também incluir na análise dos
envolvimentos em violências (como autores ou vítimas) outros
fatores como as perspectivas de ganhar dinheiro fácil e rápido com
pequenos e grandes delitos, o reconhecimento ao causar medo e
insegurança aos outros e ao ostentarem armas de fogo, a afirmação
de uma nova identidade. Além disso as brigas e ameaças são usadas
como instrumento de resolução de conflitos e disputas pessoais.3
A
violência no contexto religioso brasileiro
Em relação à uma espécie de adaptação desta realidade
brasileira ao contexto religioso podemos tirar algumas conclusões
importantes. Em geral a violência neste âmbito ocorre devido à
diversas formas de intolerâncias.
No contexto mundial, por causa da intolerâncias religiosa, muitas
guerras foram deflagradas, pessoas mortas e outras violações do
direito à religião. Pode-se definir a intolerância religiosa como
um desrespeito às crenças religiosas dos outros, seja por falta de
conhecimento, seja por imaginar que a religião do outro seria uma
ameaça à sua. Essas formas de intolerância podem aparecer como
perseguição religiosa, desqualificação do outro ou agressão
física. Historicamente a intolerância religiosa acontece devido à
discriminação com relação aos adeptos de uma religião, por não
pertencer a uma religião ou por não pertencer à nenhuma religião.
No I século da nossa era os cristãos eram discriminados por judeus
e pagãos, mas depois ocorreu o inverso, foram criadas muitas formas
de acabar com as heresias e com isto os cristãos passaram a
perseguir os não cristãos e as mulheres, sendo estas consideradas
como bruxas. No holocausto, os judeus, os ciganos, os homossexuais e
os deficientes físicos eram perseguidos e mortos pela justificativa
do ideário ariano de Adolf Hitler apoiado em algumas ideias
religiosas.4
No contexto brasileiro, muitas dessas ideias cristãs foram usadas
como justificativas para a escravização dos povos africanos. No
imaginário cristão, negro, herege e pagão não tinham alma, não
eram considerados filhos de Deus e poderiam ser tratados apenas como
coisa. A intolerância e o racismo, fundamentados na fé e por ser de
outro grupo étnico, eram justificadores também da violência. Até
a década de 1960 as religiões Afro-brasileiras eram perseguidas
pela polícia no Brasil. Há caso de evangélicos e neopentecostais
que são hostilizados por sua forma de vestir, por darem o dízimo e
por professarem publicamente a sua fé. Existem diversos programas de
TV que satirizam e discriminam estes cristãos.5
Neste entendimento verifica-se que é a intolerância a grande
causadora dos processos violentos no contexto religioso do Brasil,
seja ela advinda da dificuldade de aceitação das diferenças
étnicas, seja da falta de compreensão em relação às
religiosidades diferentes ou ainda à pessoa que não possui
religião. Citamos alguns casos de intolerância:
- Em 1995, o Bispo Sergio von Helder, da Igreja Universal o Reino de Deus (IURD), desferiu chutes a uma santa católica;
- Depois disto diversos templos da IURD foram atacados por católicos e a rede Record foi perseguida com o pedido de cassação por parlamentares católicos;
- Um homem foi preso em 2004 ao jogar uma imagem de Nossa Senhora no chão, de dentro de uma catedral em São Paulo. O homem se dizia evangélico e tinha uma camisa com a frase “Exército de Jesus”.
- A Jovem Larissa Rafaela Condo de Lima, 15 anos, se suicida ao tomar uma substância venenosa depois de apanhar do pai evangélico para que seguisse as regras da igreja.
- Na posse dos deputados estaduais no estado do Piauí em 2010 foi convidado apenas representante da igreja católica e os pastores evangélicos foram esquecidos. (A lei 5112 referenda que ao participarem autoridades eclesiásticas deve haver a presença de no mínimo dois credos religiosos).6
A intolerância caminha pelas dificuldades de aceitação do outro,
do diferente. Diante da não aceitação da prática religiosa, as
reações são de violência física, escrita ou verbal com a
finalidade de combater, avançar sobre a religião do outro com
garras, como se suas manifestações religiosas fossem o caminho do
mal. Muitas vezes o discurso religioso cristão se torna tão
exclusivista que demoniza as outras religiões. Até mesmo dentro do
próprio cristianismo as diversas denominações religiosas negam-se
entre si, se autodenominando como verdades absolutas, com doutrinas
tão imperiosas que não poderia ser mais implacável que o Deus mais
impiedoso.
Estas verdades são tão fixas que passam a esquecer a verdade
bíblica maior do cristianismo que é o amor ao próximo, o respeito
ao estrangeiro, à mulher e aos pagãos. São também formas de
violência o confronto verbal ou escrito que diminuem o outro, em
especial àqueles que negam chance de defesa.
Para
além da não-violência na intolerância religiosa
Fica fácil descobrir nos textos bíblicos passagens que contradizem
a violência em decorrência da intolerância religiosa. O Novo
Testamento está cheio de testemunhos do amor de Deus para com os
seus filhos, o amor de Jesus Cristo para com os seus discípulos e
não só com eles, mas também para com pessoas totalmente
desconhecidas como a viúva, o estrangeiro, o cego, o aleijado. Ao
mesmo tempo em que pode-se observar qual leitura dos textos bíblicos
foram feitas para se chegar ao respeito ao outro no nosso contexto
social, “a leitura latino-americana dos textos bíblicos
transformou, diversas vezes, aquilo que era intolerância como sendo
reação dos oprimidos ou reação a uma divindade opressora. Isso
significa que a divindade era porta-voz de um projeto político.”7
A tolerância requer uma associação, uma convivência com aquele
que é diferente. Jesus não se limitou a ajudar os seus semelhantes,
mas foi além, aceitando tanto os judeus quanto os estrangeiros.
Portanto, tolerar fortalece a convivência com as diferenças e nos
faz aceitar o diferente. O que pode unir as pessoas não é somente o
que há de comum entre elas, mas também o que se pode aprender com
as respectivas diferenças.
Houve um projeto político, junto com o sistema religioso, dos
colonizadores portugueses e espanhóis na América Latina. Certamente
não era uma religiosidade pura, mas era “detentora de valores
culturais e políticos e uma visão de sociedade”.8
Na realidade, existe o desejo de se criar uma sociedade segundo os
valores que se pensa como corretos. Na Guerra entre Estados Unidos e
Iraque “o cristianismo, encarnado na cultura americana, foi visto
por alguns grupos islamistas como promotor de valores maléficos. Por
outro lado, os americanos se referiram aos islamistas, principalmente
da base fundamentalista, em especial o Irã e o Iraque, como
participantes do 'eixo do mal'”.9
No Brasil colonial o confronto entre católicos e protestantes entre
os séculos XVI-XVII, dá conta de que os protestantes eram
considerados como hereges, cismáticos e excomungados. Havia um
combate constate do Estado Colonial Português e da estrutura
hierárquica da Igreja Católica às outras denominações cristãs.
No século XVIII houve o fechamento da colônia para os não-
portugueses, em especial os advindos das regiões da Europa onde
haviam protestantes, mas é em especial com a expulsão dos jesuítas
em 1759 que a concepção filosófico-teológica de considerar outros
grupos religiosos, diferentes do catolicismo como infiéis, se
modifica. No século XIX o quadro da intolerância religiosa não se
modifica muito e, com a chegada da República, surgem as ideias
iluministas de liberdades e junto a esta, a liberdade de culto ao
qual era defendida como liberdade de consciência. Os protestantes
eram vistos como um corpo estranho, isto é, como ministros do erro.
É neste período, e com ideias advindas do século XVIII, que o
protestantismo encontra condições políticas favoráveis para sua
permanência no império e no início da República. Nos anos 30 do
século XX a Igreja Católica tenta uma reaproximação com o Estado
e os principais alvos a combater eram o protestantismo, o espiritismo
e a maçonaria. A Igreja Católica cria o Secretariado Nacional para
a defesa da fé (SNDF) e mantém uma relação conflituosa com as
outras manifestações religiosas.10
Com relação a produção de documentos referentes a esta época não
havia uma preocupação acadêmica, a preocupação era de defender a
sua denominação religiosa, tanto do protestantismo quanto do
catolicismo.11
Este pequeno esboço histórico dá a ideia dos embates entre o
catolicismo e o protestantismo no Brasil tanto para que o catolicismo
continuasse com o poder, fato que não ocorreu devido às constantes
crises ocorridas entre o estado e a igreja nos períodos a partir do
século XVIII. Já o protestantismo, com o advento das liberdades
religiosas, ganha mais espaço, ao que o catolicismo reagiu
duramente.12
Estes focos de intolerância religiosa não deslancharam para uma
violência física, pelo menos a nível institucional. Pretendia-se
desqualificar, agredir de forma escrita, negando seus direitos às
liberdades.
Tem-se que se considerar os diversos casos existentes de protestantes
que teriam sido atacados por grupos de católicos ou impedidos de
realizar seus cultos:
- José Manuel da Silva Vianna, membro da Igreja Evangélica em Pernambuco, foi interrompido pelo subdelegado de polícia e com palavrões mandou encerrar a reunião que ocorria em Recife, em março de 1873. Mesmo com apelos às autoridades sobre a ilegalidade de proibir o culto, passaram alguns meses sem ser permitidas as reuniões;
- No dia 19 de outubro de 1873 na cidade do Recife, ao celebrar um casamento o Pastor Kalley informa que o subdelegado, tendo sido avisado da reunião, acusou de pecado por ter realizado não um casamento, mas um ato de prostituição. Ele não sabia, ou não quis saber ou acreditar que o Império autoriza casamento acatólico. Saíram e na praça seguidos por uma multidão de pessoas que gritavam fazendo gestos ameaçadores, foram lançados tijolos, pedras e lama, e um grupo de cerca de 500 pessoas faziam zombaria assobiavam e atiravam pedras, terra etc.13
Drogas e a religião
As drogas com substâncias psicotrópicas são utilizadas no contexto
religioso desde a antiguidade. Os Maias usavam uma espécie de contas
dos colares do sacerdote, fabricados com cogumelo, em que os jovens
engoliam em uma cerimônia litúrgica e entravam em transe. Nestes
casos as drogas são usadas como forma de aperfeiçoar a
espiritualidade.
O Santo Daime, religião de cunho cristão fundada na década de
1960, usa um chá alucinógeno durante suas cerimônias. Este chá,
denominado Ayahuasca, é feito a partir da mistura de um cipó
chamado jagube e da folha rainha, ambos plantas nativas da Amazônia.
No contexto religioso do Santo Daime não se verifica nenhuma
alteração no comportamento dos participantes do ritual, fato
confirmado por Antropólogos, o Ministério da Justiça, a Polícia
Federal e o Exército do Brasil ao averiguar o fenômeno em 1982.14
A Igreja Americana Nativa usa em seu cerimonial um cacto enteógeno
chamado Peyote, a qual foi organizada em 1880 em Oklahoma (EUA) e
possui elementos do cristianismo e dos nativos norte- americanos.15
Em diversas formas de xamanismo o tabaco é usado em cerimônias. Nos
rituais de pajelança de muitos povos indígenas da América do Sul
os pajés o utilizam como um dos elementos para entrar em transe.
Entre os Macuxi, o Piasan (Pajé) usa o tabaco com a função
de defumar contra os maus espíritos e para fazer o xamã ter visões.
Pode ser usado o tabaco misturado com a casca da árvore
casca-preciosa para o fumo, ou ainda podendo ser preparada uma bebida
juntos.16
Tradicionalmente, ao longo da história os xamãs usam substâncias
psicotrópicas para alterar seus estados de consciência com os
objetivos de premonição, entrar em contato com as forças
espirituais e para obter manifestação do mundo espiritual. A ideia
é de que supostamente houvesse poderes curativos dessas plantas
sagradas, muito mais do ponto de vista místico do que químico.17
Referências
CASTRO,
Jorge Abrahão de. AQUINO, Luseni Maria C. de. ANDRADE, Carla Coelho
de. Juventude e políticas sociais no Brasil, Brasília: Ipea,
2009.
DROGAS
e religião: essa mistura é justificável? Disponível em:
<http://blog.maisestudo.com.br/drogas-e-religiao>, Acesso em 10
ago 2014.
EVERY-CLAYTON.
Joyce Elizabeth Winifred. A inserção do protestantismo no nordeste.
In: VASCONCELOS, Sylvana Maria Brandão de (Org.). História
das religiões no Brasil. Recife: Ed. Universitária da UFPE,
2001. [v. 5 – cap. 13].
FERREIRA,
Helder, et. all. Juventude e políticas de segurança pública no
Brasil. In: CASTRO, Jorge Abrahão de. AQUINO, Luseni Maria C. de.
ANDRADE, Carla Coelho de. Juventude e políticas sociais no
Brasil, Brasília: Ipea, 2009.
GUALBERTO,
Marcio Alexandre M. Mapa da intolerância religiosa: 2011. Violação
do direito ao culto no Brasil. Multiplike, Tecnologia, Informação
e comunicação, 2011.
SANTOS,
Marcel de Lima. Xamanismo: a palavra que cura. São Paulo:
Paulinas, 2007.
SILVA,
Clemildo Anacleto da. RIBEIRO, Mario Bueno. Intolerância
religiosa e direitos humanos. Porto Alegre: Sulina; Editora
Universitária Metodista, 2007.
VASCONCELOS,
Sylvana Maria Brandão de (Org.). História
das religiões no Brasil.
Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2001. v. 5.
1FERREIRA,
Helder, et. all. Juventude e políticas de segurança pública no
Brasil. In: CASTRO, Jorge Abrahão de. AQUINO, Luseni Maria C. de.
ANDRADE, Carla Coelho de. Juventude e políticas sociais no Brasil,
Brasília: Ipea, 2009, p. 194 ss.
2Idem.
3Idem.
4GUALBERTO,
Marcio Alexandre M. Mapa da intolerância religiosa: 2011. Violação
do direito ao culto no Brasil. Multiplike, Tecnologia, Informação
e comunicação, 2011.
5Idem.
6GUALBERTO,
Marcio Alexandre M. Mapa da intolerância religiosa: 2011. Violação
do direito ao culto no Brasil. Multiplike, Tecnologia, Informação
e comunicação, 2011.
7SILVA,
Clemildo Anacleto da. RIBEIRO, Mario Bueno. Intolerância religiosa
e direitos humanos. Porto Alegre: Sulina; Editora Universitária
Metodista, 2007, p. 9.
8Idem.
9Idem,
p. 10.
10Idem,
p. 73.
11Idem,
p. 74. Há uma lista de obras em que o autor cita e informa serem
polêmicas e outra de obras de cunho acadêmico, tanto do lado
protestante quanto do católico.
12Idem,
p. 76.
13EVERY-CLAYTON.
Joyce Elizabeth Winifred. A inserção do protestantismo no
nordeste. In: VASCONCELOS, Sylvana Maria Brandão de (Org.).
História das religiões no Brasil. Recife: Ed. Universitária da
UFPE, 2001. [v. 5 – cap. 13], p. 443, passim.
14Drogas
e religião: essa mistura é justificável? Disponível em:
<http://blog.maisestudo.com.br/drogas-e-religiao>,
Acesso em 10 ago 2014.
15Ibidem.
16DINIZ,
Edson. Xamanismo Macuxi. In: Jounal de la Société des
Americanistes. Tome 60, 1971. pp. 65-73.
17SANTOS,
Marcel de Lima. Xamanismo: a palavra que cura. São Paulo: Paulinas,
2007.