Ao significado de religião pode-se
responder através do batismo numa igreja, da adoração ao templo
budista, dos judeus com sua Torá frente ao muro das Lamentações em
Jerusalém ou ainda dos peregrinos muçulmanos na Caaba em Meca. É
possível responder se há algum comum nesses fenômenos? As ciências
da religião procuram investigar esse aspecto da religião, não para
descrever plena e exaustivamente como um crente o faria, mas para
entendê-la de uma perspectiva externa (Cf. GAARDER; HELLERN; NOTAKER
2005, p. 15).
O papel significativo que as religiões do
mundo possuem em relação à vida social e politica são diversos.
Ouve-se dos conflitos entre católicos e protestantes na Irlanda do
Norte, de cristãos contra muçulmanos, muçulmanos e hinduístas, da
guerra entre budistas e hinduístas. As seitas religiosas extremistas
nos Estados Unidos e no japão praticam terrorismo. Ao mesmo tempo
representantes de religiões fazem ajudas humanitárias em diversos
lugares do mundo (Cf. GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 15). Em fim
no fenômeno religioso há muitas contradições, no que se refere a
um objetivo específico para as religiões.
Pode-se ainda sugerir como definição do
fenômeno religioso a observação do contexto histórico e cultural
de cada religião, visto que reuni-las num só conceito seria
praticamente impossível. Outro caminho seria o que Nathan Söderbom
(1866-1931) sugere como religiosa ou piedosa a “pessoa para quem
algo é sagrado”. Rudolf Otto destaca o sagrado como o
“inteiramente outro”, uma força, um sentimento de espanto, que
tem o poder de atrair e do qual não se pode resistir. Mircea Eliade
propõe uma relação sagrado versus profano. O sagrado para ele é
“separado e consagrado” e o profano é o que está fora do templo
(Cf. GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 19-20).
Outra noção que pode nos levar a uma
explicação é fazendo referência às ideias do crente:
O
crente tem idéias bem definidas sobre como a humanidade e o mundo
vieram a existir, sobre a divindade e o sentido da vida. Esse é o
repertório de idéias da religião, que se expressam por cerimônias
religiosas (ritos) e pela arte, mas em primeiro lugar pela linguagem.
Tais expressões lingüísticas podem ser escrituras sagradas, credo,
doutrinas ou mitos (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 21).
O complexo das grandes religiões atuais
configura-se em quatro grandes correntes: às originárias da Índia
– hinduísmo e budismo –; da China – confucionismo e taoísmo
–; do Oriente Médio – judaísmo, cristianismo e islamismo – e
as tribais. As da Índia caracterizam-se pelo místico, as da China
pelo sábio e as do Oriente Médio pelo profeta e as tribais pela
oralidade. Em todas elas passaram por origem, tendo uma forma
primitiva, uma meia-idade e sua transformação a partir do contato
com a modernidade. Atualmente vive-se a pós-modernidade, momento de
transição para o terceiro milênio a incoerência e a contradição
parecem presentes no mundo das religiões (Cf. KÜNG, 2004, p. 15).
Ainda que se observem diferenças há entre
elas semelhanças. Além das grandes questões sobre origem, destino,
sofrimento, culpa, padrões de vida, ações e sentidos da vida e da
morte; existem as repostas dadas pelas religiões que há
proximidade. Elas possuem mensagem, por meio da fé, e caminho de
salvação regrada por uma visão, uma atitude e uma norma para a
vida (Cf. KÜNG, 2004, p. 16).
Segundo Küng deve-se ter uma visão
objetiva frente às religiões. Ir à busca de vestígios que
conduzem à paz e a um etos
que oriente nas explicações do complexo mundo das religiões. Um
esforço em direção à paz constitui um dos objetivos de sua obra.
Suas perguntas sobre os sentidos da religião são fundamentais.
Essas são resumidamente:
- Porque bilhões de pessoas são religiosas?
- Qual a origem e a natureza desses fenômenos?
- Que desenvolvimentos tiveram?
- Quais suas constantes éticas?
- O que os separam e o que os une?
- Quais suas contribuições para o etos da humanidade? (Cf. KÜNG, 2004, p. 16-17).
Não se pretende com isto uma espécie de
unificação das religiões. Suas diversidades são importantes para
uma contribuição nos enriquecimentos mútuos. Pretende-se, pelo
contrário, um entendimento universal entre as religiões em vista de
alcançar um etos
comum da humanidade. O etos é uma dimensão dentro de diferentes
religiões, ou seja, um aspecto comum entre elas. Não que se queira
uma pretensa escolha de uma das religiões ou que se vá criar uma em
substituição às demais. Deve-se pretender um empenho pela paz
entre as religiões do mundo. Assim que pode-se afirmar que:
Não
haverá paz entre as nações, se não existir paz entre as
religiões. Não haverá paz entre as religiões, se não existir
diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as
religiões, se não existirem padrões éticos globais. Nosso planeta
não irá sobreviver, se não houver um etos global, uma ética para
o mundo inteiro.
(KÜNG, 2004, p. 17).
Fundados nessas ideias de religiões que
buscam realizar sacrifícios ou oferendas, ritos dos mais diversos,
com ou sem organização, possuindo um ou vários deuses, mas que
possuem o sagrado de comum em seus resultados, pode-se experimentar o
místico, através de orações, rezas, meditações, incorporações
de espíritos ou de orixás. Pode-se também observar as religiões
em suas escrituras e mitos sagrados. Essas são revelações, as
quais foram recebidas por profetas ou pessoas escolhidas, que
funcionam como manifestações indicadoras de respostas às questões
existenciais e estabelecimento de convivências.
É nessa tentativa de entender a
efervescência religiosa do mundo pós-moderno e observar os hiatos,
os vazios da existência humana e dos valores, inclusive de dar
sentido à própria existência e à morte é que se pode trilhar um
caminho com múltiplas respostas. Visava-se entre os anos 60 e 70 –
século XX –, em vista do processo de secularização observado por
diversos estudiosos, um contínuo processo de marginalização da
Religião e por fim sua dessacralização e desaparecimento do
sagrado. Havia os que apostavam numa religião purificada e secular e
ainda os que devotavam no declínio irreversível da religião ao que
a modernidade se opunha. (Cf. MARTINELLI, 1995, p. 271-72).
Já no final dos anos 80, a secularização
é discutida e criticada. Estudiosos como Sabino S. Acquaviva, Peter
Berger, Bryan R. Wilson, Thomas Luckmann, Niklas Luhmann, já haviam
apontado para discussões teóricas da secularização sem, no
entanto, prescindir da religião e sua relação com a sociedade.
Viram-se nesta época novos fenômenos religiosos, seja pelo
despertar de novos movimentos religiosos, seja pela crise do
capitalismo.
Como pretende Acquaviva há na
secularização uma espécie de eclipse. B. R. Wilson “quis
defender a pretensão ocidental de conseguir captar a evolução
religiosa em vigor dentro de um quadro conceitual comum, assegurado
pela teoria da secularização” (MARTINELLI, 1995, p. 324).
No entender de T. Luckmann não se pode
afirmar que o declínio do Cristianismo tenha causa no advento de
ideologias laicistas e ateias. Para ele “a hodierna marginalidade
da religião-de-igreja e sua secularização interna são, na verdade
de um amplo processo, no qual jogam uma parte decisiva, tanto a
excessiva institucionalização da Religião como as transformações
globais da sociedade” (MARTINELLI, 1995, p. 302).
P. Berger nos traz a noção da sociedade
como produto da atividade humana e define o humano como ser instável
e versátil. Neste sentido para ele a cultura é instável e a
religião seria “uma empreitada humana através da qual um cosmo
sagrado é criado” (MARTINELLI, 1995, p. 298). Para esse autor a
secularização é o “processo com que a religião perde sua
autoridade tanto em nível de instituições como em nível de
consciência humana” (MARTINELLI, 1995, p. 290).
No entender de Luhmann não há declínio
da religião e nela não há uma função integradora, mas na nossa
sociedade complexa “ela realiza a função geral de representação
simbólica da totalidade e de redução da complexidade segundo a
modalidade interpretativa”. É importante destacar que para este
autor “a independência dos subsistemas da Religião é o autêntico
significado da secularização” (MARTINELLI, 1995, p. 310-11).
Aqui não nos cabe teorizar sobre todas as
discussões sobre o sentido da religião na modernidade ou
pós-modernidade. Pretende-se focar sobre o sentido dado à Religião
e à secularização em sua relação com o sagrado. Noutro aspecto
pode-se ainda destacar as condições em que este sagrado
relaciona-se com o sentido de etos dado por Küng. Busca-se um
sentido ético diferente da simples interiorização de valores, mas
de uma construção de sentido mais amplo para o entendimento das
religiões do mundo em suas diversidades.
REFERÊNCIAS
FONAPER – Fórum Nacional
Permanente do Ensino Religioso. Ensino
religioso: capacitação para um novo milênio: O fenômeno religioso
nas tradições religiosas de matriz oriental,
Caderno 8, Caderno de Estudos Integrantes do Curso de Extensão – a
distância – do Ensino Religioso,Brasília, [s/e], 2000a.
FONAPER – Fórum Nacional
Permanente do Ensino Religioso. Ensino
religioso: capacitação para um novo milênio: O fenômeno religioso
nas tradições religiosas de matriz ocidental,
Caderno 6, Caderno de Estudos Integrantes do Curso de Extensão – a
distância – do Ensino Religioso,Brasília, [s/e], 2000b.
GAARDER,
Jostein. HELLERN, Victor. NOTAKER, Henry. O
livro das religiões,
São Paulo, Companhia das letras, 2005.
KÜNG, Hans.
Religiões do mundo:
em busca de pontos comuns, Campinas, Versus editora, 2004.
MARTINELLI,
Stefano. A
religião na sociedade pós-moderna:
entre secularização e dessecularização.
O
ALCORÃO, Base
de dados: http://www.livroesoterico.com.br,
Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do>,
acesso em: 01 ago 2012.
O QUE É BUDISMO,
Templo Zu Lai e BLIA – Associação Internacional Luz de Buda,
2006.
SMITH, Huston. As
religiões do mundo:
Nossas grandes tradições de sabedoria, São Paulo, Cultrix, 2007.
VALLET, Odon.
Uma outra história das religiões.
São Paulo, Globo, 2002.
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